sábado, 25 de julho de 2015

Explicando o título do blog.

      Os trechos a seguir pertencem ao clássico de Miguel de Cervantes Saavedra, “Dom Quixote”, edição do Círculo do Livro S.A., São Paulo, Volume II:



      “ - Também, Sancho, não metas a cada instante nas tuas falas uma CATERVA DE RIFÕES, (caixa-alta minha), como costumas, que ainda que os rifões são sentenças breves, muitas vezes os trazes tanto pelos cabelos, que mais parecem disparates do que sentenças.
      - A isso é que só Deus pode dar remédio – respondeu Sancho –, porque sei mais rifões que um livro, e acodem-me à boca juntos tantos quanto falo, que bulham uns com os outros para sair, e a língua vai deitando para fora os primeiros que encontra, ainda que não venham muito a pêlo; mas terei conta daqui por diante em dizer só os que convierem à gravidade do meu cargo, que em casa cheia depressa se guisa a ceia, e quem parte não baralha, e a salvo está quem repica os sinos, e para dar e para ter muito siso é mister...
      - Assim, Sancho – disse Dom Quixote –, insere, enfia, encaixa rifões, que ninguém te vai à mão; minha mãe a castigar-me e eu a desmandar-me. Eu a dizer-te que não digas muitos rifões e tu a golfar uma ladainha deles, que entram no que estamos falando como Pilatos no credo. Olha, Sancho, eu não te digo que seja mau um rifão trazido a propósito; mas enfiar uma súcia de rifões a trouxe-mouxe torna a conversação descorada e baixa.”
      (Páginas 683-684.)



     “ - Ó mãe – disse Sanchica –, (...) Mau ano e mau mês para quantos murmuradores há no mundo; ande eu quente e ria-se a gente. Não é verdade, minha mãe?
      - Se é verdade, filha! – respondeu Teresa – e todas estas venturas, e maiores ainda, mas profetizara o meu bom Sancho; verás tu, filha, como não paras sem ser condessa, que tudo está no principiar em ser venturoso; e, como tenho ouvido dizer muitas vezes a teu bom pai (que, assim como é teu pai, é pai e mãe dos rifões), quando te derem a vaca, vem logo com a corda; quando te derem um governo, apanha-o; quando te derem um condado, agarra-o; e quando te baterem à porta com alguma boa dádiva, recebe-a ou então deita-te a dormir, e não fales à ventura, que está fazendo truz-truz à porta da tua casa.
      - E que me importa a mim – acrescentou Sanchica – que digam: ‘Viu-se o Diabo com botas, correu a cidade toda’?
      Ouvindo isto, disse o cura:
      - Na verdade, creio que esta linhagem dos Panças nasceu toda com um costal de rifões metidos no corpo, e que os entorna a todas as horas e em todos os lugares.
      - É verdade – tornou o pajem; – e, ainda que muitos não vêm a propósito, todavia divertem; e a duquesa minha senhora, e o duque, apreciam-nos muito.”
      (Página 730.)



      “ - Sou tão desgraçado, senhor – respondeu Sancho –, que receio que não chegue o dia em que me veja em tal exercício. Oh! que polidas colheres eu hei de fazer quando for pastor! que migas, que natas, que grinaldas e que pastoris cajados que, ainda que me não granjeiem fama de discreto, não deixarão de ma granjear de engenhoso! A minha filha Sanchica nos levará comida ao aprisco. Mas esperem lá; a pequena não é nenhuma peste e há pastores que são mais manhosos do que parecem; e não queira que ela fosse buscar lã e viesse tosquiada, porque, tanto nos campos como nas cidades, andam amores de companhia com os maus desejos; e nas choças dos pegureiros acontece o mesmo que nos palácios dos reis; e, tirada a causa, tira-se o efeito; e olhos que não veem, coração que não suspira; e mais vale salteador que sai à estrada que namorado que ajoelha.
      - Basta de rifões, Sancho – acudiu Dom Quixote; – um só dos que disseste é suficiente para nos fazer entender o teu pensamento; e muitas vezes te tenho aconselhado que não sejas tão pródigo de provérbios; mas parece-me que é pregar no deserto. Minha mãe a castigar-me e eu com o pião às voltas.
      - Parece-me – respondeu Sancho – que Vossa Mercê é como o outro que diz: ‘Disse a caldeira à sertã, tira-te para lá, não me enfarrusques’. Está-me a repreender e a aconselhar que não diga rifões e enfia-os Vossa Mercê aos pares.
      - Nota, Sancho – disse Dom Quixote –, que eu trago os rifões a propósito e ajeitam-se ao que digo, como os anéis aos dedos; mas tu, tanto os puxas pelos cabelos que os arrastas, em vez de os guiar; e, se bem me lembro, já de outra vez te disse que os rifões são sentenças breves, tiradas da experiência e das especulações dos nossos antigos sábios; e o rifão que não vem de molde é mais disparate que sentença. Mas deixemo-nos disto e, como a noite já vem próxima, retiremo-nos da estrada real um pedaço e procuremos sítio onde passar a noite; Deus sabe o que amanhã sucederá.”
      (Página 825)



      “ - Nunca te ouvi falar tão elegantemente como agora, Sancho – disse Dom Quixote; – por onde venho a conhecer a verdade do rifão que tu algumas vezes costumas citar: ‘Dize-me com quem andas, dir-te-ei as manhas que tens’.
      - Então, senhor meu amo – redarguiu Sancho –, quem é que enfia rifões agora? sou eu ou Vossa Mercê, a quem eles caem da boca aos pares, ainda melhor que a mim? Entre os seus e os meus há só uma diferença: os de Vossa Mercê virão a tempo, e os meus a desoras; mas, afinal de contas, sempre são rifões.”
      (Página 827)



      “Sancho respondeu que fizesse o que dissesse, mas que ele, por si, preferia concluir aquele negócio com a maior brevidade possível, porque tudo está no principiar; e não guardes para amanhã o que podes fazer hoje; e Deus ajuda a quem madruga; e mais vale um ‘toma’ que dois ‘te darei’, e um pássaro na mão que dois a voar.
      - Basta de rifões, Sancho, em nome de Deus verdadeiro – disse Dom Quixote –, que parece que voltas ao sicut erat (Ou seja, ao princípio.); fala claro e liso, e chão, como fazes muitas vezes, e verás que assim hás de medrar.
      - Isto em mim é uma desgraça – tornou Sancho; – parece que não sei alinhavar um arrazoado sem lhe meter um rifão. Mas eu me emendarei, se puder.”
      (Página 843)

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      EPÍGRAFE

      “Andrea estendeu as mãos para o fogo. – Obrigado, disse ele. Fico-lhe muito agradecido. Em Roma, veremos como correm as cousas. Até lá, lembre-se do ditado: ‘A cada dia basta o seu mal.’
      - De acordo, retrucou Belli. Eu diria até: ‘A cada dia é demasiado o seu mal’.”


      (“O Favorito dos Borgias”, Samuel Shellabarger, Edart Livraria Editora, São Paulo, 2ª Edição, 1962, Página 209.)

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